segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Contribuições de professores no norte e do nordeste sobre a BNCC

Prezados leitores,

Levando em consideração nosso posicionamento em estimular o debate acerca da iniciativa do Ministério da Educação de implementar uma Base Nacional Comum para a Educação Básica, compartilhamos, abaixo, o posicionamento de um grupo de professores das regiões norte e nordeste do Brasil sobre a BNCC.
Segue o texto na íntegra:


Recife, 25 de novembro de 2015 

Prezados colegas, 

Desde o último mês de setembro, com a divulgação da versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que se encontra em consulta pública, é perceptível a ampliação das manifestações contrárias à proposta. Através de eventos, fóruns e outros espaços, os debates têm afirmado a insatisfação de diferentes setores da sociedade com a construção da Base e com as orientações presentes na versão divulgada. O componente curricular História, em especial, vem sofrendo várias críticas de professores do Ensino Básico e Superior e mesmo de personalidades da educação, como o ex-ministro Renato Janine Ribeiro. 

Entre os elementos presentes na versão da BNCC para o componente História, um dos mais controversos é a exclusão das áreas de Antiga e Medieval, que passam a ser conteúdos opcionais a serem definidos pelos docentes. Tal orientação, no que pese a importância da defesa e promoção da história Indígena, da história da África e mesmo da história da América, pode ter resultados nefastos para o ensino de História, tanto nas escolas como nas Universidades. Consideramos que a História deve trazer para o primeiro plano de análise regiões e povos que tradicionalmente foram alijados da escrita oficial de nosso país e mesmo do Ocidente, porém isso não deve ser feito em detrimento das experiências humanas na antiguidade e no medievo, as quais forjaram, em grande medida, o mundo em que vivemos atualmente. Os efeitos de tais experiências extrapolam amplamente os limites geográficos do chamado mundo ocidental e suas ressignificações, ao longo dos séculos, deixaram e ainda deixam marcas indeléveis em inúmeras culturas de várias regiões do globo. A língua portuguesa e o cristianismo, dois elementos constituintes e definidores da sociedade e da cultura brasileira, são dois exemplos claros deste processo. 

Em outras palavras, a valorização dos povos ameríndios sem escrita não pode ocorrer em prejuízo do ensino da importância do surgimento da escrita na Mesopotâmia milênios antes de Cristo. Afinal, como entender nosso mundo contemporâneo sem que observemos como ele começou a ser construído? Como compreender a introdução do cristianismo na América sem conhecer o processo de afirmação e expansão do discurso cristão no Império Romano e nos séculos ditos medievais? Como entender a concepção moderna de democracia, sem que reflitamos sobre a emergência dessa prática política na Antiguidade Oriental e seus desdobramentos na Antiguidade Clássica? Dessa forma, consideramos, no mínimo, tendenciosa qualquer proposta que limite as experiências cognitivas dos alunos, tal como nos apresenta a versão publicada da BNCC. 

Entendemos que os conteúdos de história Antiga e Medieval na educação básica são indispensáveis ao desenvolvimento da capacidade reflexiva dos estudantes para lidar com aspectos político-culturais que compõem as nossas experiências cotidianas, tanto no campo das práticas religiosas, como o cristianismo, quanto no campo das práticas políticas, como concepção de democracia e res publica, para citar alguns exemplos; além disso, contribui para desnaturalizar a forma como nossa sociedade está organizada, porquanto permite entendê-la como uma invenção humana. 

Destaca-se, outrossim, a importância do exercício da alteridade histórica, elementar a este componente curricular, uma vez que nos permite compreender a formação e a dinâmica de sociedades diferentes da nossa a partir de suas próprias categorias de pensamento, visões de mundo e expectativas sobre a vida bem como modos de agir e pensar, crenças e percepções de si e do outro particulares, já que construídas no tempo. Sob esta ótica, ler os clássicos torna-se uma atividade indispensável à formação escolar, não na perspectiva de uma cultura a ser emulada, mas como diferença que permite repensar nosso lugar no presente. 

Um dos agravantes envolvidos na atual versão da BNCC é a forma como a proposta vem sendo construída. Com uma elaboração feita por profissionais em sua maioria não identificados e com apenas a abertura para o envio de contribuições, a Base peca por não resultar do debate democrático entre um número significativo de profissionais da educação em suas diferentes instâncias. 

Entendemos que a BNCC tem uma importância capital para os rumos da educação no país e, desta maneira, deveria ser formulada levando em consideração os fóruns de licenciaturas e pós-graduações, os conselhos de educação, as associações de cada área e mesmo o maior número de profissionais e estudantes reunidos em eventos específicos construídos pelo Ministério da Educação. 

Destarte, nós, docentes das áreas de História Antiga e Medieval das regiões Norte e Nordeste, tomamos uma posição contrária à atual versão do BNCC e defendemos a revisão da proposta e a ampliação dos debates acerca da mesma. Nesse sentido, mantemos a discussão entre os professores da região e projetamos formas de atuarmos nesse importante embate educacional. 

Aproveitamos a oportunidade para manifestar nosso apoio e solidariedade aos docentes do Rio de Janeiro e à ANPUH-RJ que, após uma jornada dedicada à discussão do tema, decidiram pela continuidade da mobilização e encaminharam, para o próximo dia 26 de novembro, uma reunião visando a uma intervenção articulada nessa luta que está sendo travada por todos os profissionais do Brasil. 

Convidamos os colegas de outras instituições a ingressar nesta luta em defesa do ensino de História Antiga e Medieval e da própria História como disciplina que investiga o homem em suas mais variadas experiências no tempo. Unidos somos mais fortes! 

Cordialmente, 
Profa. Dra. Roberta Alexandrina da Silva (UFPA) 
Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza Neto (UPE) 
Prof. Msc. Douglas Mota Xavier de Lima (UFOPA) 
Profa. Dra. Adriana Zierer (UEMA) 
Profa. Dra. Silvia Siqueira (UECE) 
Profa. Dra. Serioja Mariano (UFPB) 
Prof. Msc. Renan Birro (UNIFAP) 
Prof. Dr. Renato Pinto (UFPE) 
Prof. Dr. Marcus Baccega (UFMA) 
Prof. Dr. José Petrúcio de Farias Júnior (UFPI) 
Profa. Dr. Priscilla Gontijo Leite (UFPB) 
Profa. Dra. Márcia Severina Vasques (UFRN) 
Prof. Sínval Carlos Mello Gonçalves (UFAM) 
Profa. Msc. Verônica Aparecida Silveira Aguiar (UNIR) 
Profa. Dra. Joana Clímaco (UFAM) 
Prof. Msc. João Paulo Charrone (UFPI) 
Profa. Msc. Pâmela Torres Michelette (UFPI) 
Prof. Dr. Bruno Gonçalves Alvaro (UFS) 
Prof. Dr. Marcelo Pereira Lima (UFBA) 
Prof. Dr. Luciano José Vianna

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O debate sobre a BNCC: contribuições do prof. Mario Borges Netto (UFT)

Prezados leitores,

Publicamos, abaixo, as contribuições do professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e, também, aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mario Borges Netto, para o debate acerca da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Aproveitamos para agradecer ao professor Mario Netto por contribuir para o blog do nosso Grupo de Pesquisa, alimentando, assim, um processo amplo de reflexão importante e indispensável para o futuro da educação brasileira. Segue o texto na íntegra:

Prezados colegas do blog “Teias da Idade Média”, parabenizo-os em nome da profa. Terezinha Oliveira pelo trabalho de conscientização e debate promovido pelo vosso grupo por meio deste blog sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNC).
Aproveito o espaço disponibilizado por vocês para apresentar algumas considerações  preliminares sobre o referido documento, que segue:
1) o documento é uma expressão objetiva daquilo que o prof. Dermeval Saviani denunciou nos seus livros sobre a Pedagogia Histórico Crítica, um ataque aos conhecimentos clássicos e a secundarização do ensino;
2) o documento dá continuidade às orientações da pedagogia das competências, tão propalada nas reformas curriculares da virada do século XX para o XXI. Isso pode ser verificado na centralidade assumida pela "pesquisa" no processo de ensino e aprendizagem e no protagonismo dos "objetivos de aprendizagem", em detrimento dos conhecimentos clássicos. Ou seja, a aprendizagem do conhecimento deixa de ser fim e se torna meio para a aquisição de competências, de comportamento sociais;
3) A BNC, a meu ver, é o desdobramento de um projeto educacional que se sustenta nas teorias do multiculturalismo, pós-colonialismo e da pós-modernidade e, em nome das minorias, mina por dentro a proposta de uma escola pública responsável por ensinar às gerações mais novas os conhecimentos produzidos pela humanidade. Trata-se de uma proposta consciente e deliberada de combater os conhecimentos clássicos, pois são vistos como tradicionais e anacrônicos. Esses conhecimentos, no meu entendimento é o lastro cultural produzido pela humanidade historicamente, porém, são vistos pelos grupos defensores da BNC como a cultura dos dominantes, dos colonizadores, por isso deve ser combatida;
4) a proposta da BNC atinge todas as escolas e diferentes públicos, mas, atinge especialmente as escolas públicas, que são a maioria das instituições, e seu público, que são oriundos dos grupos sociais de baixo. A BNC tomou contornos de um empreendimento que retira, ainda que parcialmente, mais conteúdo das escolas, substituindo-os por desenvolvimento de competências. Isso atinge diretamente os filhos da classe trabalhadora, haja vista que, em geral, a escola pública é o único lugar onde os filhos da classe trabalhadora têm acesso aos conhecimentos clássicos, ainda que parcos e fragmentados, e que muitas das vezes, a abandona antes de completar os anos de escolaridade da educação básica. Disso suscita um questionamento, vejamos: se a escola pública é o único espaço onde a maioria da população brasileira tem contato com os conhecimentos clássicos, não seria próprio de uma ordem social que pretende ser democrática, garantir que essas escolas não sejam esvaziadas de conteúdo? Por outro lado, já os filhos dos grupos sociais abastados, sofrerão menos, pois as escolas privadas oferecerão meios para diminuir os ruídos gerados pela BNC, sem contar que tais famílias possuem capital cultural e financeiro suficientes para oferecerem a seus filhos cursos suplementares para a sua formação: inglês, informática, reforço, pré-vestibular, etc.;
5) não consigo analisar a BNC descontextualizada de um processo mais amplo da luta política. Por isso entendo que o multiculturalismo fundante dessa proposta pulveriza a luta por bandeiras maiores como a democratização da sociedade, dos elementos materiais e culturais produzidos historicamente e dos espaços políticos de decisão e direção do país. O combate ao conservadorismo do congresso, o projeto de moralização da política, a reforma política, o combate aos cortes dos recursos financeiros para as áreas sociais, estão em segundo plano, pois assume centralidade as pautas desses pequenos grupos organizados pelas minorias (o que NÃO quer dizer que desconsidero e desvalorizo as suas bandeiras, mas penso que elas não podem estar desvinculadas de um projeto amplo de sociedade e de nação);
6) me parece que a análise de Mészáros em A educação para além do capital está correta em dizer que as escolas capitalistas possuem dois objetivos fundamentais (o que não quer dizer que são únicos): 1) formar sujeitos em conformidade às demandas da esfera econômica; 2) se tornar instrumentos de controle político.
À guisa de conclusão, para muitos as minhas considerações podem parecer piegas e panfletárias. Por que não dizer redundantes? Já que parece reproduzir as críticas feitas por um grupo de estudiosos há mais de 30 anos. Contudo, de onde falo, do extremo norte do estado do Tocantins, na mesorregião do Bico do Papagaio, a pobreza e a miséria são gritantes e nos permitem fazer essa avaliação que exponho. Vamos a alguns dados.
Essa semana começou a ser divulgado os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) que revela que o número de crianças trabalhando no país aumentou. Aqui, nessa região, os dados não revelam nenhuma novidade. A exploração do trabalho infantil é uma realidade na região, sem falar da exploração sexual de crianças e jovens. Entendo que esses dados se relacionam com o ponto 4 de minhas considerações. A falta de oportunidades e condições adequadas para a formação intelectual das camadas mais pobres da sociedade, e a pouca perspectiva de futuro, conduzem jovens e crianças para o trabalho informal, precário, para não falar, para o crime e a prostituição.
Estamos falando de uma região abandonada historicamente à própria sorte. Algo que parece surreal para o século XXI, mas, dados constatam que a maior parte da sua zona rural não conhecia luz elétrica até 2002 (para não dizer que estou fazendo apologia a qualquer tipo de governo, omitirei o nome do programa do governo federal responsável por tal “proeza”). É uma região que 35 a 40% das famílias vivem do tão difamado programa de bolsas do governo federal. Através dessas bolsas essas famílias conseguem comer arroz, feijão e farinha juntos na mesma refeição, que por vezes, é a única no dia. Por meio da mesma bolsa foi possível comprar rádios, TVs, construir casas de alvenaria, substituindo as casas de taipa, também conhecidas como casa de pau a pique. Talvez esses dados nos ajudem a compreender o porquê que as regiões Norte e Nordeste brasileiro decidiram as últimas eleições presidenciais.
Em se tratando de educação, a luta aqui é para não fechar as escolas, garantir que as crianças tenham condições de estudar, pois, a escola é o único espaço que os cidadãos dessa região possuem para ter contato com a cultura e os conhecimentos clássicos. Não há cinemas, não há teatros, o estado é omisso ... Em termos de ensino, no que toca ao ensino de História, nos deparamos com alunos que apesar de viverem numa região que foi o epicentro da Guerrilha do Araguaia, desconhecem o que foi a Ditadura Militar.
Para além de garantir a formação intelectual da população mais pobre dessa região, a nossa luta abrange as condições de trabalho e salário adequado para os professores dos municípios, pois, na sua maioria recebem parcos salários, não são concursados e o plano de carreira é uma piada de mau gosto.
Um olhar mais amplo me permite considerar que toma força e fôlego um projeto educacional sustentado na ampliação da rede de escolas privadas. Basta vermos que o governo federal liberou na última semana 9,82 bilhões de reais para serem aplicados na educação, sendo que 5,1 bilhões serão destinados para o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Isso nos revela as alternativas privatistas que "vendem" por aqui, ao passo que professores do ensino superior federal ficaram em greve do dia 28 de maio de 2015 à 13 de outubro do mesmo ano e sequer foram recebidos pelo então ministro da educação, o sr. Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. Dentre os pontos de pautas, que passava pela reestruturação da carreira e salário, estava a seguinte bandeira, “revogar o corte orçamentário para a pasta da educação”.
Por fim, para não perder de vista o objeto de nossa análise, vejo que a BNC é mais um ataque que fragiliza a construção de uma ordem social democrática e de um projeto educacional democrático, pois trata-se de uma proposta que fragiliza as possibilidades do acesso das camadas sociais mais pobres aos conhecimentos produzidos pela humanidade. 
Destaco ainda que é urgente problematizarmos o processo iniciado pelo estado de São Paulo que fechará a partir de 2016 mais de 400 instituições de ensino em todo o estado, sendo 150 na capital – que segundo noticiários, essa onda começou a atingir o estado do Paraná também. 
Por isso, penso que esteja na hora da sociedade civil organizada se manifestar. Devemos fazer uso das entidades de representação coletiva historicamente construídas para entrarmos no debate e ressignificar a BNC e repensar o nosso projeto educacional para o país. Está na hora da SBHE, ANPUH, ANPEd, ANFOPE, ANPOCS, ANPOF, ANDES, PROIFES, as Universidades se manifestarem. Me parece que a fala do prof. Florestan Fernandes faz sentido nesse momento e por isso compartilho com vocês: “Porque o intelectual precisa ter uma tarefa crítica, ele goste ou não. A omissão é que é injustificável”.
Daqui, do norte do estado do Tocantins, dos rincões do nosso país, vivendo na pele as palavras de Antonio Gramsci, “pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade”, envio essas considerações. De alguém que está junto a classe trabalhadora, na luta, ainda que para muitos utópica, por uma sociedade mais justa e mais humana.

Forte abraço.
Mario Borges Netto (professor da Universidade Federal do Tocantins).

Atenciosamente,
Equipe GTSEAM

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Programação das comunicações - XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais

Prezados leitores,

A XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais está chegando. Na próxima semana, entre os dias 18 e 20 de novembro, estaremos em Maringá para as palestras, comunicações e debates sobre os mais variados temas relacionados à Antiguidade e à Medievalidade. Vale lembrar que teremos autoridades do Brasil e de outros países, que nos trarão mais uma rica experiência de pesquisa e de educação.
Aproveitamos para informar que a programação das comunicações já foi divulgada pela Comissão Organizadora e pode ser acessada clicando AQUI.

Para mais informações, clique na imagem abaixo:



Atenciosamente,
Equipe GTSEAM

Proposta do MEC para a constituição de uma Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica

Prezados leitores,

Tendo em vista o compromisso do nosso Grupo de Pesquisa com a perspectiva da transformação social em educação, divulgamos neste canal um documento proposto pelo Ministério da Educação para a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica. O documento foi submetido à consulta pública e pode ser acessado clicando AQUI. O site para obter mais informações sobre o processo de consulta pública pode ser acessado clicando AQUI.
Divulgar este documento em nosso canal é importante, pois precisamos, como professores, pesquisadores e estudantes da Antiguidade e da Idade Média, participar ativamente desse debate, tendo em vista que, como afirmou Marco Bloch, nós nos interessamos pelo passado justamente porque nos preocupamos com o presente.

Esperamos que essa iniciativa estimule a participação de todos!

Atenciosamente,
Equipe GTSEAM